Afinal, o que é qualidade?

Matéria publicada em nossa coluna sobre vinhos no site Bella da Semana, no mês de Agosto/2014.

Em geral, fala-se muito sobre a qualidade de diferentes produtos, e no caso dos vinhos não é diferente. É difícil que alguém fale sobre a bebida e não cite a palavra qualidade em algum momento. Mas será que é tão fácil falar sobre isso?

Na maioria das vezes fazemos apreciação de qualidade sem ter conhecimento suficiente. Historicamente, muitos autores têm dado suas definições de qualidade, vários deles de uma forma mais poética do que técnica, embora alguns conceitos tenham mudado com o tempo. O que era considerado bom em outra época, pode não ser visto da mesma forma agora, ou vice-versa.

É comum que a qualidade esteja relacionada ao grau de prazer experimentado pelo consumidor ao beber um vinho. Ou seja, quando existe uma coincidência entre as características de um vinho com as pretensões ou preferências dessa pessoa, as quais dependem da sua cultura alimentar, costumes de consumo, experiências e conhecimentos. Desse modo, a ideia de qualidade pode ser muito relativa e subjetiva.

Em geral, quando se fala de qualidade refere-se a um produto superior, que distingue dos outros. No entanto, acho importante entender, em primeiro lugar, o que é um bom vinho. Esqueçamos um pouco dos considerados grandes ou excelentes vinhos.

Um bom vinho é aquele elaborado com uvas maduras e sadias, com práticas enológicas corretas, que passam por diferentes análises técnicas e sensoriais, que não apresentam nenhum tipo de alteração ou defeito, e com características de cor, aroma e sabor que possam ser aceitas pelo consumidor.

A qualidade de um vinho sempre depende da qualidade da uva usada para produzí-lo. Ou seja, uma uva sadia, com correto amadurecimento enológico, quantidade necessária de açúcares, equilíbrio de acidez, maturidade e quantidade de todas as substâncias responsáveis pela cor, estrutura, aromas e sabores. Tudo isso depende da cepa e do local de cultivo, assim como de um conjunto de fatores geográficos, climáticos, geológicos, biológicos e humanos.

O homem é responsável pelos aspectos agronômicos, deve conhecer a região, escolher e cultivar a variedade de uva que melhor se adapte ao local, e produzir o melhor vinho possível – o que inclui vários processos, como os fermentativos e de maturação, entre outros. De uma boa uva podem ser produzidos vinhos de alta ou baixa qualidade, segundo a elaboração. Mas de uma uva de baixa qualidade nunca se obterá um grande vinho, mesmo que se possua toda a tecnologia disponível no mercado e até os melhores enólogos.

Foto: Mario R. Leonardi

Quando degustamos um vinho existem vários parâmetros que indicam qualidade, como a complexidade aromática e gustativa, o equilíbrio de todos os sabores, e o final de boca ou retrogosto, a persistência e o tempo de permanência do sabor do vinho na boca. Em outras palavras, grandes vinhos deixam grandes lembranças. Por isso, sutilezas podem fazer muita diferença na qualidade final do produto.

Temos que levar em conta que a degustação sempre tem algo de subjetivo. Mesmo entre profissionais existem diferenças na avaliação de um mesmo produto. Falar de qualidade não é simples, já que constatar a qualidade de um vinho pode ser mais fácil que de fato explicá-la.

Uma das impressões que tenho tido ultimamente é que muitos profissionais do mundo do vinho, e até enófilos que escrevem nos seus blogs e outros meios de comunicação, estão tão preocupados em falar da qualidade de um produto, que parecem esquecer do prazer de consumo do vinho. Existe muita preocupação por se é orgânico ou biodinâmico, se tem ou não anidrido sulfuro (antisséptico e antioxidante), se são produzidas poucas garrafas, se é de uma vinícola pequena ou grande, se ganhou medalhas em concursos, se tem pontuações altas em revistas especializadas e demais.

Como sempre digo, o mais importante é poder desfrutar do vinho, independente se o vinho é bom, muito bom ou excelente. Para terminar, cito uma frase de Dubaquie, antigo diretor da Faculdade de Enologia de Bordeaux na França: ´O vinho não é feito para ser analisado, mas para ser bebido e proporcionar prazer a quem bebe´ (frase reproduzida no livro ´O Gosto do Vinho´, de Émile Peynaud e Jacques Blouin).

Saúde!

Mario R. Leonardi

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