Nos últimos anos vem crescendo o número de degustadores que citam o gosto umami para descrever sensações de boca produzidas por alguns vinhos. Mas será que é só uma lembrança ou realmente há componentes nos vinhos que geram esse gosto?
Com certeza, muitas pessoas ainda desconhecem a existência deste gosto ou não conseguem identifica-lo. Embora explicar o que é umami não seja o objetivo desta matéria, contudo, farei uma introdução.
Todos conhecemos os quatro gostos básicos: doce, salgado, amargo e ácido. Umami (palavra de origem japonês cuja tradução é saboroso) é o quinto, que foi descoberto pelo professor e cientista japonês Kikunae Ikeda há mais de um século, porém, faz poucos anos que foi reconhecido de forma científica. Para que um novo gosto seja aceito deve ser demonstrado que é diferente dos demais gostos, e que não é resultado da combinação de outros gostos. Deve ser comprovado por estudos eletrofisiológicos e o gosto tem que ser encontrado internacionalmente em vários alimentos, além disso tem que possuir receptores específicos entre outros requisitos.
Da mesma forma que sabemos que o sal é responsável pelo gosto salgado e os açúcares pelo gosto doce, entre os compostos responsáveis pelo umami estão: aminoácidos, principalmente o glutamato (ácido glutâmico) e os nucleotídeos: inosinato e guanilato. Esses compostos estão presentes em muitos alimentos, como carnes (suína, bovina e aves), alguns peixes e frutos do mar, tomates, brócolis, diferentes algas utilizadas na cozinha asiática, queijos como o parmesão, cogumelos e em tantos outros alimentos de origem animal e vegetal.
Descrever como é um gosto de forma teórica não é fácil, mas podemos dizer que o umami é delicado, suave, algo “salino” e que parece estender-se por quase toda nossa língua, mas é na parte posterior que se percebe com maior intensidade. É menos intenso que os demais gostos, porém mais persistente e geralmente descrito como agradável. Estimula a salivação, como a boa acidez nos vinhos, mas de forma diferente, já que a saliva parece mais viscosa, o que melhora a palatabilidade dos alimentos. Cabe destacar que a saliva é fundamental na ingestão de alimentos, sem ela seria difícil poder consumi-los.
Para que o gosto umami se perceba com maior intensidade é necessário de mais de um composto presente no alimento. Estudos demonstram que há uma sinergia quando o glutamato está presente junto com o inosinato e/ou o guanilato. Isto é levado em consideração por muitos chefs que querem realçar o gosto umami nos seus pratos.
A uva e o vinho contêm diferentes aminoácidos, entre eles o ácido glutâmico. Determinar a quantidade destes componentes nos vinhos não é fácil e não fica claro qual é o limiar de percepção na bebida, tenho achado divergências sobre isto. Diferentes estudos e artigos técnicos sobre este tema, falam que não há quantidade suficiente desses componentes nos vinhos para produzir gosto umami e alguns autores até descartam a possibilidade de perceber o gosto no vinho.
Sabemos que alguns processos de vinificação e de envelhecimento dos vinhos favorecem a produção de aminoácidos e, portanto, a possibilidade de maiores componentes umami. Isso depende dos microorganismos responsáveis pelas fermentações (alcoólica e malolática), do tempo que vinhos brancos e espumantes permanecem em contatos com as borras (sur lie/autólise) e do amadurecimento e envelhecimento dos tintos entre outros. Em geral vinhos tintos possuem mais destes componentes. Vinhos fortificados como o Madeira, o Jerez e o Porto pelos anos de envelhecimento também têm mais aminoácidos. Alguns autores propõem aprofundar os estudos das técnicas de elaboração para favorecer a produção de mais compostos umami, que segundo eles poderia ser benéfico para o sabor do vinho.
Independente das quantidades de componentes umami nos vinhos, existem outros fatores que produzem sensações que podem fazer que lembremos do gosto. Por exemplo, diversos tipos de aromas percebidos por via retronasal (quando temos o vinho na boca) como de láteos, cogumelos, carne crua e outros. Alguns desses aromas surgem com tempo de envelhecimento na garrafa, o que também faz com que o vinho fique mais macio, devido principalmente à oxidação e polimerização de antocianinas, taninos e outros. É possível que essa percepção de maciez junto aos aromas retronasais nos lembre o gosto ou o sabor de alimentos ricos em umami.
Nem sempre quando citamos um aroma ou sabor durante uma degustação podemos dizer que de fato há uma substância específica que produz dita sensação. Mas, é obvio que há componentes individuais ou combinados que são responsáveis por essas sensações e que as relacionamos com aromas ou gostos que estão em nossa memória.
Concluindo, podemos afirmar que o vinho possui compostos que podem produzir gosto umami, porém, não haveria a suficiente quantidade segundo os estudos consultados. Com certeza estudos futuros nos ajudarão a falar com mais convicção. Além disso, o gosto é pouco conhecido ainda, o que dificulta a identificação. Em particular, tenho percebido em alguns vinhos alguma sensação parecida, mas não o suficiente para citar o gosto. Em geral tento evitar falar sobre descritores que podem ser confusos ou pouco conhecidos para os consumidores, somente o faço nos meus cursos sobre análise sensorial de níveis mais avançados.
Acredito que para alguns degustadores, poder falar de mais um gosto, seja interpretado como um enriquecimento do vocabulário do vinho e a possibilidade de explicar ainda com mais detalhes as características sensoriais dos vinhos. Para outros pode significar o contrário, complicar mais ainda. De fato, o vocabulário utilizado para descrever os vinhos já é complexo e nem sempre claro. Obviamente depende da interpretação e perfil de cada degustador.
Mario R. Leonardi
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