Diz um ditado, que só é impossível aquilo que não se tenta. Mas, será que se aplica ao vasto e complexo mundo do vinho?
Nos últimos anos escutei muitas pessoas, tanto amadores como profissionais, dizerem que falam ou escrevem de modo simples e descomplicado. Que irão desmistificar a bebida e até desvelar os mistérios do vinho. Reconheço que não sei o que significa esse último, talvez porque também seja mistério para mim.
O curioso é que várias dessas pessoas abordam questões que nem mesmo a ciência consegue explicar, pelo menos até agora, e opinam sem nenhuma argumentação técnica. Alguns utilizam palavras de significados ambíguos para descrever um vinho, inventam adjetivos e citam elementos para definir aromas quando na realidade sequer possuem aroma (já escrevi sobre isso). Falam sobre leveduras, brettanomyces, vinho natural e vinhos de outras cores, além do branco, rosé e tinto, quando na realidade nem são vinhos. Até as informações que são colocadas em algumas cartas de vinhos de restaurantes, que as vezes parecem livros, complicam ao invés de ajudar o comensal na escolha da bebida. Se fala de tantas coisas, e parece que se esquece do mais importante, que é desfrutar do vinho, – para isso que a bebida é elaborada.
O mundo do vinho é muito vasto e tem muitas facetas. É tanta riqueza de informação, que torna difícil pensar que exista um grande experto no assunto. Me pergunto se não há um pouco de pedantismo quando dizem que irão descomplicar. Claro que existem pessoas que se destacam pelo seu trabalho e amplo conhecimento em áreas específicas, e conseguem transmiti-lo de uma forma bem didática e sem “complicações”, os que para mim são dignos de admiração.
Creio que devemos fazer uma autocrítica. Analisarmos as matérias que escrevemos e o que dizemos. Pensar se estamos comunicando de uma maneira fácil ou complicada. Se conseguimos fazer um discurso que esteja à altura de quem nos escuta e se realmente sabemos para quem falamos.
Acredito que a maioria de nós que trabalhamos na comunicação do vinho, direta ou indiretamente, podem sim, complicar. Considero que algumas das informações que passo em minhas matérias ou nos cursos mais técnicos que ofereço, posso ter complicado mais do que ajudado alguns consumidores. Claro que a intenção é sempre ensinar e não complicar, e que o conhecimento transmitido, seja utilizado para desfrutar mais do vinho. No entanto, nem sempre as intenções são suficientes, por isso, nunca me apresento como um profissional que irá descomplicar o mundo do vinho, mas tento sempre melhorar.
O vinho se torna uma bebida cada vez mais sofisticada, tanto no Brasil como em outros países. Nasci em 1972 na Argentina, e se bebiam quase 90 litros de vinhos per capita por ano. Nessa época era principalmente vinho de garrafão que se misturava com água ou outras bebidas. Não importava a harmonização com a comida, nem em que tipo de copo era servido. Se era orgânico ou biodinâmico, se era um vinho de uma pequena vinícola com garrafas numeradas, ou se tinha medalhas, pontuações ou prêmios, etc. Tudo isso mudou muito, e atualmente nesse país se bebe um pouco mais de 20 litros per capita, e hoje buscam culpados, como se todos não fôssemos parte responsáveis. No Brasil não supera os 2 litros per capita e dificilmente irá aumentar, pelo menos nos próximos anos ou talvez décadas.
Poderia abordar muitos outros temas, como questões sociais, a cultura, o esnobismo, o elitismo e outros assuntos complexos. A ideia desta matéria não é criticar ou sinalizar aquela pessoa que achamos que fala fácil ou difícil, com menor ou maior conhecimento técnico, entre outras características. O objetivo é propor a autocrítica, para ver se realmente o que dizemos coincide com o que de fato fazemos.
E aí colega, você já fez a sua autocrítica?
Mario Leonardi
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