Matéria publicada em nossa coluna sobre vinhos no site Bella da Semana, no mês de Maio/2015.
Muito se fala sobre o gosto da comida servida durante os voos. As opiniões são quase sempre as mesmas, “comida de avião não tem gosto”. Isso tem sido motivo de estudo para grandes companhias aéreas que, há algumas décadas, investem para melhorar a oferta gastronômica a bordo. Mas o que acontece com os vinhos?
Essa foi uma pergunta que recebi há pouco tempo, e a resposta é: não difere muito do que acontece à comida. O problema são as condições do ambiente interno da aeronave e como isso afeta nossos sentidos. Nem sempre o problema está na comida ou na bebida servidos no avião.
A altitude, a baixa umidade (menos de 20%) e a baixa pressão atmosférica são os fatores responsáveis pelas nossas alterações sensoriais. Nossos lábios se ressecam, assim como nossa cavidade nasal e nosso paladar, o que produz uma diminuição olfativa e da capacidade de perceber sabores. As papilas gustativas perdem sensibilidade, sobretudo dos gostos salgado e doce – que, segundo alguns estudos, se reduzem em aproximadamente 30% lá em cima. A percepção de acidez e amargor não sofrem alterações significativas, porém quando bebemos vinho, esses gostos podem se intensificar.
Se levarmos em conta que o sabor é uma combinação multissensorial formada pelos gostos, pelas demais sensações percebidas na boca, e pelos aromas que sentimos via retronasal (um dos principais componentes do sabor), a perda é realmente significativa, uma vez que temos redução na percepção de aromas e gostos. Isto explica o porquê da falta de sabor nas comidas servidas durante os voos, porém não justifica a baixa qualidade de alguns pratos servidos a bordo que, mesmo consumidos em terra, podem resultar pouco saborosos.
Importantes empresas aéreas têm encomendado estudos e até contratam renomados cozinheiros para melhorar a oferta gastronômica. Realizam simulações em terra das condições das aeronaves para fazer degustações e escolher pratos e vinhos. Alguns optam por temperar mais a comida, colocar mais pimenta, mais sal, o que nem sempre é aconselhável por questões de saúde. Outros optam por colocar os temperos à parte para que o passageiro coloque à vontade. Alguns pratos da cozinha asiática, por serem bem temperados, têm obtido resultados aceitáveis.
Outra questão a considerar, é que a comida que recebe o passageiro foi feita várias horas antes e só é aquecida no avião, já que é proibido ter um fogão a bordo para cozinhar. Para complicar mais ainda, um estudo concluiu que comer em um ambiente com barulho também reduz a percepção de alguns gostos, como o salgado e o doce, podendo também alterar a percepção da crocância de alguns alimentos. O barulho no avião, como você sabe, é constante.
Agora… deixemos de lado a comida e vejamos o que acontece com o vinho, para o qual também são contratados especialistas para a escolha dos diferentes rótulos.
O primeiro problema com o vinho no avião, além dos movimentos e constantes vibrações que podem produzir alterações negativas, é que não podemos perceber a intensidade e qualidade dos aromas, tanto por via nasal direta, como por via retronasal, o que diminui o sabor da bebida. Produtos pouco aromáticos parecerão apagados.
Na boca, pela baixa umidade do ambiente, se produz um ressecamento e perde-se o poder lubrificante da saliva, o que aumenta a percepção da acidez, do amargor e da adstringência produzida pelos taninos, que afetam algumas proteínas da saliva, resultando em uma sensação de maior secura e aspereza. Portanto, deveríamos evitar vinhos tânicos e de acidez marcante. Além disso, temos uma perda na percepção do gosto doce, o que afeta ao equilíbrio gustativo do vinho, formado nos tintos pelo álcool (doce), a acidez e os taninos.
Em geral, os vinhos deveriam ser muito equilibrados e bem frutados, com acidez moderada e, no caso dos tintos, com taninos maduros e suaves. Vinhos tintos da América do Sul podem ser uma boa opção e, do velho continente, os espanhóis. Mesmo assim, devemos saber que, lá em cima, não vão ter o mesmo gosto que em solo.
Outro dado interessante, segundo informações médicas, é que quanto menos oxigênio existir no ambiente, menor é o metabolismo. A metabolização das bebidas alcoólicas no fígado é muita mais lenta que em solo, portanto, produzem maior efeito alcoólico. Por isso, ao voar, é recomendável beber pouco.
Com certeza os estudos sobre o tema continuarão e muito poderá ser melhorado. Talvez no futuro as condições dentro de uma aeronave sejam diferentes e possamos desfrutar das comidas e bebidas da mesma forma que em terra. Por enquanto, a dica é tentar não criar muitas expectativas sobre a alimentação no avião.
Mario R. Leonardi
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