É a vez da cerveja em nossa coluna de entrevistas. Falamos com Carolina Oda, uma das primeiras profissionais formadas em gastronomia a se especializar em cervejas do Brasil. Fez seu primeiro trabalho com cerveja em 2005, mas naquela época ainda não imaginava que esse seria o seu futuro. Somente depois da faculdade de gastronomia e de alguns estágios em cozinha, em 2008, começou a trabalhar, quase que sem querer, no mundo dos copos e maltes. Após experiências como assistente de consultoria – com Cilene Saorin, bar – Melograno , importadora – Tarantino e uma expedição gastronômica de 90 dias na Europa, atua hoje no mercado como consultora, professora, participa de projetos diversos, sempre unindo talheres e copos, mostrando que cerveja é gastronomia. Já realizou jantares harmonizados em parceria com os melhores chefs e restaurantes do Brasil, como Jun Sakamoto, Rodrigo Oliveira, D.O.M., Ici Brasserie e, de maneira muito natural, mantém interesse e estudos em diversas outras áreas e bebidas, apaixonada pela gastronomia como um todo, principalmente a parte de serviço, e não só pelo universo cervejeiro.
1 – Atualmente podemos ver em diferentes meios de comunicação muitas opiniões de cervejas, a maioria sobre qualidade. Contudo, como deve ser uma cerveja para que seja considerada de boa qualidade?
São diversos fatores, mas num mercado como o nosso, ainda tão pequeno e em ascensão, o melhor vai ser aquilo que a gente gosta. Estamos na fase de quantificar para depois qualificar. No momento, é mais importante que as pessoas sejam abertas a provar de tudo, conhecer estilos, do que ficar preocupada se a cerveja está ou não com defeitos. Não é tão fácil assim achar cervejas impecáveis, principalmente pela questão de transporte. Estamos num país tropical que parece um continente. A cerveja, em geral, não tem estrutura para aguentar sol, choque térmico, balanço de caminhão por dias e dias. Além da questão de produção, que pede um controle bastante rigoroso para que a cerveja saia sempre como deveria. Em todo caso, é importante frisar que, no caso de cervejas medalhistas em campeonato, por exemplo, o que é avaliado é o quanto aquela cerveja está enquadrado naquilo que está proposto, tendo como base um guia oficial de estilos. Muitas cervejas excelentes podem ser desclassificadas pelo simples fato de estarem com alguma nota que não deveria ter, considerando o descritivo daquele estilo. Ou seja, o que vale é estar disposto à experimentação, sem preconceitos. Mesmo porque, as pessoas tomam cerveja despreocupadamente há anos e anos. Agora, se eu falar que tal aroma é um defeito, a partir de então não vou mais gostar? Melhor nem saber… Deixe isso para quem precisa, como o mestre-cervejeiro.
2 – Como em muitas bebidas, nas cervejas podemos encontrar alguns defeitos. Quais são os defeitos mais comuns que podem aparecer e como os identificamos?
Como disse anteriormente, não sei o quanto isso vale a pena. Defeitos por oxidação, luz, transporte, maturação interrompida são muito, muito corriqueiros e, esses, nós até podemos relevar. Se for pra citar, só pra não dizer que me esquivei muito, acho que os piores são os referentes à contaminação ou falta de manutenção em chopeira, que é um descaso do ponto de venda. Cerveja que não era pra ser ácida, como a grande maioria, com notas de vinagre, por exemplo, está bem defeituosa. Outro defeito que me incomoda demais é quando a cerveja tem sabor metálico, como se tivesse comido palha de aço. Alguns amigos me xingam por ter contado esse defeito. Agora eles são muito menos felizes tomando chopp por aí.
3 – É notório que uma parte dos consumidores brasileiros está optando por beber cervejas diferentes às que tradicionalmente consumiam. Como você vê o consumo em geral e qual a tendência?
Pois é. É inegável que o mercado cresceu e evoluiu bastante. Temos diversos indícios disso, como o número de rótulos disponíveis em supermercados, com até o mais simples com uma opção ou outra de cerveja especial; a evolução na importação, dando acesso a marcas que antes só vinham na mala; bares cervejeiros em todos os bairros e diversos estados do Brasil, além do aumento do número de rótulos em restaurantes mesmo não especializados; o aumento no número de cervejarias artesanais brasileiras, brewpubs e por aí vai. Acho ótimo esse crescimento mas ainda acredito que existe um pouco de ilusão. Com o aquecimento do mercado, tem pessoas largando sua antiga profissão para se dedicar à cerveja, abrir cervejaria, mas ainda acho isso loucura se não for algo muito estudado, garantido. Tenho ouvido diversos relatos, tanto de pessoas que trabalham com cerveja há um bom tempo, mas que ainda não conseguem largar seu primeiro emprego, como pessoas que estão tentando entrar no mercado e não conseguem uma chance. A remuneração ainda é baixa, na maioria dos casos, mas acaba se vendo sustentada pela paixão cervejeira e pela aposta no fato de que o mercado ainda vai virar. Vivemos uma fase em que as pessoas também não querem mais só trabalhar por dinheiro. Querem realização, qualidade de vida. E o meio cervejeiro se encaixa bem nessa ideia.
4 – No Brasil, a carga tributária para as bebidas alcoólicas é muito alta e acaba tendo influência no preço final do produto, mas, não é só isso que determina o custo e o valor comercial da bebida. Você não acha que o preço das cervejas no país é muito caro? Isso influencia na hora da escolha do consumidor?
Acho caro sim. Infelizmente, os impostos interferem demais no preço da cerveja. São taxas seguidas de taxas.E trabalhamos num mercado supérfluo. Num momento de crise, pode até ser que as pessoas bebam mais, mas, no caso da cerveja, não é necessário tomar uma garrafa de R$ 80 para se satisfazer. Ao contrário do que acontece no mundo do vinho e do sakê, por exemplo, onde para beber bem é preciso desembolsar no mínimo uns R$ 60 reais, no universo cervejeiro existem boas relações de custo-benefício em rótulos entre R$ 5 e R$ 15. Se vier mesmo essa crise, acho que ficará cada vez mais difícil vender rótulos muito caros. Talvez esses fiquem cada vez mais para momentos especiais, comemorativos, e não para dia a dia.
5 – Você fala que cerveja é gastronomia. Poderia explicar esse conceito? Tem alguma sugestão para que possamos desfrutar mais da cerveja?
Comecei a falar isso há uns 2 anos e meio quando saí do meu último emprego fixo para ser profissional independente. Voltei a ter tempo de me dedicar ao estudo de outras bebidas e realizar viagens do que chamo de “expedição gastronômica” e acabava ouvindo de algumas pessoas que eu tinha abandonado a cerveja e só falava de gastronomia. E quem disse são coisas separadas? Na visão do “geek cervejeiro”, muitas vezes, a cerveja é um mundo à parte. Fala-se mal da cerveja de milho mas não se preocupa com a qualidade da comida servida no bar. Paga-se caro na cerveja envelhecida em barril de whisky, mas não tem interesse em saber qual era a característica do whisky daquela região. Hoje, felizmente, isso tem mudado. Vejo muitas pessoas do meio cervejeiro tendo interesse na gastronomia em geral. Defendo isso por coerência, já que não entendo quem quer a melhor cerveja mas toma o pior café, e pelo fato da cerveja ser a bebida que mais interage com outras e que, por ser uma receita de panela, permite tanta inventividade e adição de ingredientes.
Sugestão para desfrutar mais? Não se prenda em tecnicismos. Não vamos deixar a cerveja ficar chata como já aconteceu com outras bebidas. Se prenda àquilo que você gosta e não seja fechado à experimentação. A cerveja pode te surpreender!
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