Análise gustativa do vinho

É o momento de provar o vinho em boca. Esta etapa requer bastante atenção, uma vez que são muitas as sensações que percebemos: gostos doce, ácido, amargo e salgado; outras sensações como untuosidade, temperatura, sensação de calor produzido pelo álcool, adstringência e borbulhas; e o sabor, que é a combinação de tudo o que percebemos em boca somados aos aromas retronasais.

Durante a prova, o gole não deve ser muito grande, nem pequeno demais. Deve ser em quantidade suficiente para efetuar uma análise correta, dividida em três etapas. O ataque é a primeira sensação percebida com o vinho na boca. A segunda etapa é a evolução, quando sentimos os gostos, os sabores e demais impressões do vinho. E a terceira é a que chamamos de final de boca, a sensação que fica depois que engolimos o vinho.

O gosto doce

O gosto doce provém dos açúcares que ficaram no vinho sem fermentar (açúcares residuais), do álcool etílico e dos demais álcoois produzidos pela fermentação. Este gosto é percebido principalmente no ápice da língua.

Os açúcares presentes no vinho são majoritariamente glicose e frutose. Com 2 ou 3 g/l de açúcares no vinho, o gosto doce já é detectado por alguns degustadores. A maioria, no entanto, apenas percebe o gosto doce quando a quantidade de açúcar é superior que 4 g/l.

O álcool de maior quantidade no vinho é o etílico, que é doce, e sua presença intensifica o gosto dos açúcares. Os sabores frutados e florais também contribuem para a sensação de doçura.

Este gosto é muito importante nos vinhos, uma vez que forma o equilíbrio gustativo, um fator de qualidade. Nos vinhos brancos o gosto doce deve equilibrar o gosto ácido. Já nos tintos o doce equilibra a acidez e as sensações produzidas pelos taninos.

O gosto ácido

Diversos ácidos orgânicos provenientes da uva e outros ácidos produzidos durante as fermentações formam o gosto ácido dos vinhos. Os principais ácidos provenientes da uva são: o tartárico, o málico e o cítrico. Os principais ácidos produzidos durante as fermentações são: o succínico, o lático e o acético.

Existem muitos outros ácidos presentes no vinho, embora não possuam a mesma importância organoléptica que os listados acima.

Ácidos da uva

Ácido tartárico

É o acido específico da uva e do vinho. É o maior responsável pela acidez e pelo pH do vinho. Sensorialmente é o mais intenso e pode produzir uma leve adstringência.

Ácido málico

É o mais abundante no mundo vegetal, presente em folhas e frutas. A quantidade deste ácido é um dos parâmetros para definir o amadurecimento da uva, considerada madura quando a quantidade de ácido málico é baixa.

Durante a fermentação alcoólica, pela ação das leveduras, o ácido diminui. Nos vinhos tintos e em alguns brancos o ácido málico é transformado em ácido lático devido à ação de bactérias láticas (fermentação malolática).

Organolepticamente, o ácido málico é associado a gostos “verdes” e ácidos, agressivos, que lembram frutas verdes.

Ácido cítrico

Presente nas uvas em baixa quantidade, nos vinhos o ácido cítrico tem pouca ou nenhuma presença. Nos vinhos tintos desaparece devido à ação de bactérias láticas (fermentação malolática).

Sensorialmente é fresco, porém em alguns casos pode apresentar um leve final amargo.

Ácidos produzidos nas fermentações

Ácido succínico

Ácido típico do vinho produzido durante a fermentação alcoólica, que contribui com o caráter denominado vinoso. É um ácido estável e seu gosto é descrito como uma combinação de ácido, salgado e amargo.

Ácido lático

A fermentação alcoólica produz este ácido em baixas quantidades. É o principal produto da fermentação malolática, gerado por bactérias láticas. O ácido málico é transformado em ácido lático, o que torna o vinho menos ácido.

A fermentação malolática produz importantes mudanças gustativas, como a diminuição da acidez, do amargor e de alguns sabores herbáceos, enquanto aumenta os sabores frutados e florais, além da untuosidade.

Sensorialmente é pouco ácido, suave e lembra a manteiga.

Ácido acético

É produzido durante a fermentação alcoólica e forma o que chamamos de acidez volátil. Os anteriores formam a acidez fixa e todos somados formam a acidez total.

Na fermentação malolática pode-se formar algo de ácido acético, bem como durante o amadurecimento em barricas de carvalho. O nível deste ácido deve ser baixo, caso contrário o estado sanitário do vinho será comprometido.

Seu gosto é intenso, amargo e azedo.

O pH do vinho

O pH (potencial Hidrogeniônico) é calculado a partir da concentração de íons de hidrogênio. Indica acidez, neutralidade ou alcalinidade de um produto. A escala varia de 0 a 14 e, quanto menor for o índice de pH, maior é a acidez. Abaixo de 7, o pH é ácido, igual a 7 é neutro, e maior que 7 é alcalino.

Nos vinhos em geral, o pH varia de 2,8 (acidez forte) até 3,8 (acidez leve). Com pH acima de 3,5 o vinho é frágil e pode estar sujeito a alterações (defeitos). Um pH baixo tem grande importância na estabilidade do vinho.

O gosto amargo

São vários os compostos responsáveis por gostos amargos. Geralmente se atribui este gosto aos compostos fenólicos, sobretudo aos taninos. Alguns ácidos também produzem sensações amargas. É normal sentir uma leve sensação amarga nos vinhos, geralmente percebida na parte posterior da língua. Se o amargor for muito pronunciado, é defeito.

O gosto salgado

O vinho contém diferentes tipos de sais minerais e sais de ácidos orgânicos que podem ser percebidos em alguns produtos. Geralmente, o gosto salgado não tem muita influência gustativa. Se encontrarmos um gosto salgado intenso, o mesmo pode ser resultado de alguma alteração ou contaminação.

Adstringência

A adstringência é uma sensação produzida pela coagulação de algumas proteínas da saliva, causada principalmente pelos taninos do vinho. A saliva perde o seu poder lubrificante e produz sensações de secura e aspereza na boca. Quando intensa, é própria dos vinhos novos e imaturos, mas também pode ser resultado da falta de maturação fenólica da uva.

Gás carbônico (CO²)

É produzido durante as fermentações. Todos os vinhos têm ao menos um pouco de gás carbônico, mesmo os denominados tranquilos.

A quantidade de CO² nos vinhos tranquilos é variável e geralmente percebido na ponta da língua. Dependendo da quantidade, pode contribuir com o frescor do vinho, acentuar a acidez, reforçar o gosto tânico e diminuir o gosto doce.

Com o envelhecimento do vinho, a quantidade de gás diminui, até se tornar imperceptível.

O extrato seco

O extrato seco total do vinho corresponde ao peso do resíduo seco obtido após a evaporação dos compostos voláteis. Representa a soma das substâncias que em determinadas condições físicas não se volatilizam.

Algumas dessas substâncias incluem ácidos fixos, sais minerais e de ácidos orgânicos, açúcares e compostos fenólicos, entre outros.

O valor do extrato seco está relacionado ao tipo de vinho e ao método de elaboração. No caso dos tintos, por terem antocianinas, taninos e demais compostos fenólicos, possuem mais extrato seco do que os vinhos brancos.

Sob o ponto de vista organoléptico, o extrato seco total está relacionado à estrutura. Quanto maior o extrato seco, maior será o corpo do vinho.

O sabor

O sabor é uma combinação multissensorial, considerada a percepção mais complexa da análise sensorial dos vinhos. Combina os gostos e as demais sensações percebidas na boca, como textura, adstringência, temperatura e borbulhas, além dos aromas percebidos por via retronasal.

O equilíbrio do vinho

É fundamental que todas as sensações que percebemos em um vinho estejam em equilíbrio. Esse aspecto é um dos principais parâmetros de qualidade de um vinho.

Nos vinhos tintos, o equilíbrio é dado principalmente pelo álcool (gosto doce), pela acidez e pelos taninos. Se o vinho possui graduação alcoólica deficiente, predominarão a acidez e os taninos, o que faz com que o vinho possa se tornar duro, áspero e adstringente. Caso contrário, se a acidez e os taninos forem deficientes, predominará o álcool. Em ambos os casos teremos um desequilíbrio.

Nos vinhos brancos o equilíbrio é formado entre substâncias de gosto doce (álcool e açúcares), e substâncias de gosto ácido.

Final de boca – Persistência

A persistência é a duração dos sabores que permanecem na boca depois da ingestão do vinho. Está associada à qualidade do produto, e espera-se que seja longa e equilibrada. Grandes vinhos podem permanecer na boca por muitos segundos.

Um final muito longo (desequilibrado, azedo ou adstringente) não deve, no entanto, ser considerado atributo.

Mario R. Leonardi

O texto e as imagens fazem parte de nosso livro ‘Como e porque degustar vinhos’ lançado em junho de 2016.

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